quinta-feira, 26 de março de 2009
As formigas
A sombra d’uma faia, no parque, enquanto o príncipe, que era um menino, corria perseguindo as borboletas, abriu o velho preceptor o seu Virgílio e esqueceu-se de tudo, enlevado na magia dos versos admiráveis.
Os melros cantavam nos ramos, as libélulas esvoaçavam nos ares e ele não ouvia as vozes das aves nem dava pelos insetos: se levantava o s olhos do livro era para repetir com entusiasmo, um hexâmetro sonoro.
Saiu, porém, o príncipe a interrompê-lo com um comentário pueril sobre as pequeninas formigas que tanto se afadigavam conduzindo uma folhinha seca; e disse:
– Deus devia tê-las feito maiores. São tão pequeninas que cem delas não bastam para arrastar aquela folha que eu levanto da terra e atiro longe com um sopro.
O preceptor que não perdia ensejo de educar o seu imperial discípulo, aproveitando as lições e os exemplos da natureza, disse-lhe:
– Lamenta V.A. que sejam tão pequeninas as formigas… Ah! Meu príncipe, tudo é pequeno na vida: a união é que faz a grandeza. Que é a eternidade? Um conjunto de minutos. Os minutos são as formigas do Tempo. São rápidos e a rapidez com que passam fá-los parecer pequeninos, mas são eles que, reunidos, formam as horas, as horas os dias, os dias compõem a semana, as semanas completam os meses, os meses perfazem os anos, e os anos, Alteza, são os elos dos séculos.
Que é um grão de areia? Terra; uma gota d’água? Oceano; uma centelha? Chama; um grão de trigo? Seara; uma formiguinha? Força.
Quem dá atenção à passagem de um minuto? É uma respiração, um olhar, um sorriso, uma lágrima, um gemido; juntai, porém, muitos minutos e tereis a vida.
Ali vai um rio a correr – as águas passam aceleradas, ninguém as olha. Que fazem eles na corrida? Regam, refrescam, desalteram, brilham, cantam e lá vãp, mais ligeiras que os minutos.
Quereis saber o valor de um minuto, disso que não sentis como não avalias a força da formiga? Entrai de mergulho n’água e tende-vos no fundo – todo o vosso organismo, antes que passe um minuto, estará protestando, a pedir o ar que lhe falta. Ora! O ar de um minuto, que é isso? Direis. É a vida, Alteza.
EM: Coelho Neto e a ecologia no Brasil 1898-1928, ed. Eulálio de Oliveira Leandro, Imperatriz, MA, Editora Ética: 2002.
Foto de Marcel Ayres .
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