terça-feira, 19 de junho de 2012

Formiga no poema



Uma formiga atrevida
sem pedir qualquer licença
e satisfeita da vida
que certamente compensa
diligente despachada
pequenina como um trema
viu a porta escancarada
e irrompeu no meu poema

Percorreu toda a largura
fez depois o comprimento
não sei se andava à procura
de algo para o seu sustento
inverteu a sua rota
espreitou num canto em cima
equilibrou-se num jota
saltitou de rima em rima



Dependurou-se na trave
do T da palavra estrondo
entrou no A de uma ave
depois num O bem redondo
Coçou então a barriga
apenas com uma garra
Quem procurava a formiga?
Porventura era a cigarra?

Palmilhou a folha toda
esquadrinhou toda a escrita
andou por aqui à roda
numa insistente visita
numa atitude indiscreta
a dizer daqui não saio
e para este poeta
não olhou nem de soslaio



Achando aquilo bizarro
perdi então a cabeça
Já a formiga tem catarro?
Sai-me daqui já depressa!
Não te quero aqui assim!
Será que tu não me ligas?
Vou chamar o pangolim,
de alcunha o Papa-Formigas!

Senti cá um formigueiro
que ao vê-la ao alto da estrofe
co dedo médio certeiro
dei-lhe assim em cheio plof
Foi tal o meu piparote
com tal força e com tal arte
que andou voando a galope
lá muito acima de Marte



Você que assistiu à cena
e viu que isto não é sonho
e que agora está com pena
daquele insecto enfadonho
tenha calminha serene
que encontra a sua formiga
nalguma fábula antiga
em casa de La Fontaine

Anthero Monteiro

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